“Ellie estava deitada em sua cama. Era uma noite quente de verão. Elvis cantava ‘One night with you, that’s what I’m begging for’. Os garotos da escola secundária pareciam dolorosamente imaturos, e era difícil – sobretudo por causa das determinações e proibições do padrasto – estabelecer um relacionamento firme com os jovens universitários que ela conhecera em palestras e reuniões. Relutantemente, admitia que John Staughton tinha razão em pelo menos uma coisa: quase sem exceção, os rapazes inclinavam-se para a exploração sexual. Ao mesmo tempo, pareciam muito mais vulneráveis, emocionalmente, do que ela havia esperado. Talvez uma coisa provocasse a outra.”
Muita gente já viu o filme, com Jodie Foster e Matthew MacConaughey, muito tempo atrás. "Contato" foi um grande sucesso do final dos anos 90, mas eu, que já era à época, fã de Carl Sagan, só fui ler o livro nas últimas semanas. O filme não é de forma alguma nada além de "baseado" no romance homônimo, e apesar das inúmeros licenças poéticas justificáveis em uma adaptação, se sai muito bem, em especial ao nos explicar a parte gráfica dos acontecimentos. Porém, mais uma vez, o romance ganha da versão cinematográfica.
Comecemos, pois, do começo. A Julianna, aqui do Lost in Chick-Lit, me convidou para escrever um post na coluna Be My Guest, e não obstante a honra que é escrever aqui, falar do meu autor predileto de não-ficção, justo na grande ficção que ele escreveu, é maravilhoso. Carl Sagan, falecido em dezembro 1996 (4 dias antes do Natal, quando ganhei de meu amado pai "Pálido Ponto Azul", primeiro livro do autor que li), foi um grande astrônomo, extremamente influente na NASA, e um dos fundadores do SETI, programa sério de busca por inteligência extra-terrestre através da rádio-astronomia.
Seu romance "Contato" pode quase ser classificado com uma Chicklit de ficção científica de qualidade, pois quem o escreveu foi um grande cientista, e a personagem principal, Ellie Arroway, nos conduz através de um programa de dezenas de rádios-telescópios espalhados pelo planeta que um belo dia, descobrem uma mensagem sendo enviada por rádio desde a estrela Vega, a 26 anos-luz de distância da Terra (ou seja, trilhões e trilhões de kms, tão longe que a luz - e as ondas de rádio - levam 26 anos para ir daqui até lá e vice-versa. Ainda assim, uma estrela relativamente próxima. O Sol, por comparação, está a apenas 8 minutos luz, ou 150 milhões de kms). Além de uma aula de astronomia, física, matemática, rádio-astronomia, e tudo que só um cientista de verdade poderia escrever com tal verossimilhança, o professor Sagan nos conduz pelos meandros da personalidade de Ellie desde sua infância até a idade adulta, quando sendo a descobridora da desconcertante mensagem de Vega, torna-se uma das tripulantes da máquina cujo projeto a misteriosa mensagem esconde.
Ellie é uma pessoa, imperfeita, cheia de defeitos, mas como cientista, é um dos grandes expoentes da sua área e a maneira como o autor trabalha sua personalidade e ações é simplesmente maravilhosa. Seu romance com Ken Der Heer (bem diferente do filme, onde ela se envolve com Palmer Joss, também presente no livro), um consultor de ciências do governo dos Estados Unidos, revela uma outra faceta, da carente mulher que em meio a uma profissão cercada e dominada por homens, tenta destacar-se profissionalmente, mas acaba para isso sufocando seus sentimentos. A relação conturbada com a mãe e o padrasto, e o amor incondicional pelo pai, falecido quando ela era ainda pequena, mostram a fragilidade da forte radio-astrônoma que, assim que a mensagem começa a ser decodifiada, tem que explicar para a presidente norte-americana (no filme, é “o” Bill Clinton, em ótimas edições de falas reais do presidente) "o que Hitler faz em Vega", afinal, no começo, a mensagem revela nada menos que a abertura dos jogos de Berlim em 1936, primeira grande transmissão de TV, e que, como todo o resto que produzimos e transmitimos, de "Alô Christina" a "Capitu", uma vez emitido, segue para o espaço à velocidade da luz. É perturbador que um rádio-telescópio extraterrestre (e qualquer civilização minimamente evoluída tecnologicamente, como nós, já descobriu as ondas de rádio) situado, por exemplo, em Alfa Centauri, sistema solar (ou estrelar, como queiram) a apenas 4,39 anos luz da Terra, seja capaz de ouvir e ver hoje nossos programas de TV que iam ao ar em meados e 2005.
Quem já leu outras obras de Carl Sagan o reconhece em várias passagens, e embora ele seja por definição um dos melhores escritores de não-ficção acerca de ciência do século XX, não se saiu nada mal nesta empreitada de escrever um romance. Se você gosta de uma protagonista carismática, em uma aventura inusitada com mensagens de civilizações extraterrestres avançadas, mas com todo o realismo que só um cientista brilhante seria capaz de induzir, “Contato” será uma grata surpresa.
Além deste livro, Carl Sagan teve publicados no Brasil o belo “Pálido Ponto Azul” – sobre o futuro da humanidade na exploração espacial, do contundente “O mundo assombrado pelos demônios” – que fala do perigo que os “demônios” da ignorância e do obscurantismo trazem à nossa espécie, o sereno “Bilhões e Bilhões” – onde Sagan discorre magistralmente sobre a existência ou não de Deus, o aborto, e tantos outros temas incríveis, inclusive da proximidade da sua morte conforme ele perde a batalha contra o câncer, e posteriormente, lançado em 2008, tivemos “Variedades da Experiência Científica”, uma reunião de palestras dele na Escócia na década de 1980, onde ele responde a questões levantadas pelos alunos, imperdível. Assim como estes, “Contato” também foi publicado no Brasil pela Cia das Letras, e tanto ele quanto “Bilhões e Bilhões” já estão disponíveis nas versões pockets da Cia de Bolso. Se você gosta só um pouquinho de ciências e astronomia, pode ler qualquer um que vai adorar. Afinal, como ele sempre dizia, “A astronomia é uma experiência que ensina humildade e forma o caráter”.
Para finalizar, agradecendo a vocês pela leitura do post ENORME e à Ju pela oportunidade, deixarei um vídeo no youtube para quem quiser conhecer um pouco mais de Sagan e de nós mesmos. Muitos anos atrás, quando as sondas Voyager 1 e 2 haviam passado por Júpiter e Saturno e partido em direção ao espaço exterior a 65mil km/h, Carl Sagan sugeriu que pegassem as potentes câmeras de uma das pequenas naves e mirassem para a Terra, que estava agora a 6 bilhões de kms de distância. Enviados os comandos, a nave obedientemente virou suas lentes para nós e nos fotografou, revelando como nunca antes, o quão pequenos somos. “Para criaturas pequenas como nós, a vastidão só é suportável através do amor”, diz ele numa das últimas páginas do romance. Deliciem-se.
Obrigado novamente Ende, por essa resenha maravilhosa. Quero o DvD do Contato pra mim também (invejinha^^). E quinta feira minha primeira resenha (HOT) do Desafio Literário =o*