Carcereiros
Drazio Varella
ISBN: 9788535921694
Editora: Companhia das letras
Ano: 2012
Número de páginas: 226 Onde Comprar: Cultura
Há tempos sou fascinada pela criminologia.
Lembro-me quando ainda criança fazia questão de passar na banca de revista e vislumbrar as manchetes do famoso e sanguinário 'Noticias Populares'.
Já no primeiro ano de faculdade, me fixei no objetivo de me empenhar em psicologia jurídica.
Daí a estadiar no Centro de Internação Provisória para Crianças e Adolescentes foi um pulo.
Em um atendimento, tive a oportunidade de me deparar com um caso de adolescente em franco surto psicótico e a condução desse caso tornou possível que o convite a estagiar no Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais fosse feito.
Atuei como estagiária de psicologia em presídios por quatro anos.
Creio que nunca esquecerei da primeira vez que entrei na Penitenciária Dutra Ladeira.
Fui convidada a atender um paciente com suspeita de estar alucinando por transtorno mental.
Após as devidas apresentações de credencial, fui orientada a entrar no prédio de segurança mais 'frouxa'.
Na portaria, o agente prisional me orientou a seguir reto e entrar num corredor a direita, assim eu fui.
Isso, até perceber que não havia agentes prisionais circulando comigo e todas as celas estavam abertas para o banho de sol.
Eu era a única mulher dentro da prisão e quase entrei no corredor errado, um preso acabou me ajudando a chegar do destino certo.
Dessa experiência, aprendi que ali naquele lugar estão depositados seres humanos e não selvagens completamente sem lei.
Me lembro a primeira vez que minha irmã entrou no presídio, ela cursou serviço social e optou por seguir meus passos na jurídica.
Nesta ocasião, ela chegou em casa surpresa e dizendo: 'Meus Deus, eles são como todos que conhecemos, quem diria?'
Há um imaginário coletivo de que as pessoas que desviaram sua conduta das leis são como aliens, ou que babam e gemem pedindo por sangue...
O mais curioso da penitenciária era entender como uma grande maioria (presos) era dominada por uma grande minoria (carcereiros).
Sou apaixonada pelo Dr Drauzio Varella desde essa época, que foi quando li 'Estação Carandiru'.
Posteriormente, li 'Por um fio' e me rendi completamente por sua humildade, simplicidade e sensibilidade.
Quando a Julianna me disse que tinha uma surpresa para mim e me disse o que era, fiquei nem êxtase!
Em 'Carcereiros', Dr Varella faz jus a todos os adjetivos que usei antes e a muitos outros.
Com a maestria de quem convive no meio penitenciário há mais de 20 anos, Drauzio nos relata a rotina de quem convive intimamente com a criminalidade.
Como a linha ética fica frágil, levando carcereiros a detentos e como o stress da profissão gera desgaste psicológico e alcoolismo.
Conhecemos curiosidades de cenas vividas na Casa de Detenção e em delegacias paulistas.
Drauzio nos mostra que, em alguns momentos, ele próprio se questionava sobre o cuidado que dispunha a cidadãos que foram covardes com inocentes.
Discorre sobre a postura da sociedade que condena a tortura, mas fecha os olhos para o que acontece no meio prisional, que além de torturar ativamente seres humanos, desumaniza o sujeito a ponto de impor-lhe celas super povoadas, com condições de higiene precárias (pra não dizer inexistentes), a alimentação de três vezes ao dia que os cidadãos de bem relatam pagar, não passa de lavagem e que projetos de reinserção social são inexistentes.
Um ponto alto do livro é quando elucida aquilo que nenhum meio televisivo fala, as gigantescas consequências decorrentes do massacre de 111 presos do Carandiru.
O fato é que, desde desse momento tragicamente histórico e de repercussão internacional, as facções criminosas tomaram força e seguidores.
A partir daí, assistimos estarrecidos uma São Paulo parada por ordem do crime organizado e rebeliões simultaneamente organizadas.
As pessoas se esquecem do funcionamento da psique humana.
Sujeitos que até então, viam-se em cumprimento de pena e sob a responsabilidade do estado, se viram a esmo e vulneráveis.
Qualquer pseudo-organização criminosa que oferecesse proteção ganharia participantes imediatos!
Nós, humanos, temos uma necessidade inerente de pertencer a um grupo, se não podemos participar da sociedade de bem, tombaremos a sociedade de mal.
A falta de perspectiva da maioria da população ovacionou o massacre do Carandiru a tal ponto que o responsável pela matança saiu a deputado e finalizou seu número de votação com '111'.
Enfim, um livro fantástico e extremamente bem escrito que só reforçam meus sentimentos pelo autor.
Para os que defendem a morte indiscriminada a todos os moradores de presídios, recomendo a leitura do capítulo 'Fabrica de ladrões' (pag 198 a 201) na tentativa de trazer a luz questões complexas e pertinentes.
Afinal, vocês já se questionaram como aquele bebê rechonchudo e fofo se tornou um estuprador, assassino, estelionatário, sequestrador??
Separei um quote para vocês.
Depois de divagar sobre os números de nossas infladíssimas prisões, Dr Dráuzio nos fala:
O lema 'lugar de bandido é na cadeia' é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo e urgente. Não cabe discutir se somos a favor ou contra: não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça a todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas. (Pag 201)Os estudos sobre criminologia são complexos e extensos, mas uma coisa é certa, tudo que se exclui da sociedade, que se marginaliza, toma forma e retorna ao seios social para cobrar sua quirela, ou buscamos projetos sociais substanciais e justos, ou seremos todos reféns do monstro que nós mesmos criamos e alimentamos.
Leitura obrigatória!